04 abril 2016

Conto de um amor qualquer #BAEDA



João entrou no ônibus com a mesma cara de cansado de sempre e, por acaso, se sentou. Apesar de o dia ter sido extremamente comum, para não dizer insuportável, arrumar um lugar no ônibus naquele horário, além de raro, é suficiente para fazer a meia felicidade de qualquer pessoa. Aliviado colocou a bolsa sobre os pés esperando por seu companheiro de banco,  pedindo, suplicando, que pelo menos hoje não fosse outro homem suado da fábrica.

Por um golpe de sorte suas preces foram ouvidas e ele mal pôde acreditar quando a menina das trancinhas ruivas que descia na 34 foi quem ocupou o assento ao lado. Quase dava pra chamar o maldito horário de pico de paraíso.

- Oi – ela cutucou João que tentava sem sucesso desviar o olhar dos próprios pés - Dava pra abrir a janela fazendo favor? – a ruivinha pediu com um sorriso tímido.

Como se João pudesse resistir a qualquer coisa que saísse por aqueles lábios.

Com os olhos arregalados de surpresa e a adrenalina rasgando nas veias ele abriu a janela sem responder, torcendo pra menina não conseguir ouvir que aquele galope era, na verdade, o coração dele e não os carros que passavam do lado de fora. Por mais que se espere, nunca se está totalmente preparado para trocar a primeira palavra com a menina que se vem namorando à distância. 

O romance deles era um daqueles casos de terminais rodoviários. Do tipo em que a mocinha da plataforma vizinha é tão linda que parece impossível desviar o olhar e, exatamente na hora em que ela vai retribuir com olhos carregados de paixão e volúpia, por infortúnio do destino, o ônibus chega e ela some de vista. Já devia ter uma semana que João era apaixonado nela e todo dia era a mesma ladainha.

Mas agora ela estava sentada ao seu lado no ônibus mais lotado da cidade. Se isso não fosse providencial ele só sabia que precisava começar a agradecer mais. 

João remexeu inquieto no assento: precisava falar com ela! Infelizmente ele já tinha pensando em tudo. E tudo se resumia a mil versões diferentes de comentar sobre o clima e dizer que a amava. Ela ia achar que ele era patético... Desorientado e amaldiçoando suas mãos por suarem tanto ele se virou para falar com ela.

Ele nunca a tinha visto tão de perto, as palavras fugiram correndo quando se depararm com tantos detalhes. A sobrancelha dela não era ruiva e estava por fazer, ela tinha umas manchinhas perto do lábio superior e os olhos eram daquele castanho amendoado comum, mas conseguiam ser singulares naquelas órbitas. Dava pra olhar pra sempre.

- Desculpa moço, to te incomodando? – a menina perguntou se mexendo desconfortável.

- Oi?! – João sequer tinha disfarçado a fixação e, pensando bem, deveria estar parecendo bem maníaco - De jeito nenhum. – apressou-se em corrigir – Quer dizer, eu achei seu cabelo incrível... – ele admitiu corando

- Ah – ruivinha riu sem graça – É de família.

- Ah, sei. - ele tentou dar um sorriso.

João podia até ver os filhos que teriam um dia, todos ruivos com o nariz dela. Com vozes baixinhas e suaves como ela. Eles não precisavam ter nada dele... Talvez se fizesse alguns clones seria possível ter milhares daquela ruivinha. Silêncio, João! Ela vai ouvir seus pensamentos.

- Bom, essa é minha hora – ela anunciou antes de levantar

- Mas ainda estamos na 33... – ele murmurou olhando pra rua lá fora

- Então, tchau. Até mais. – ela se levantou pondo a mochila nas costas e ajeitando a franja.  Virou-se para João e deu-lhe outro sorriso tímido agradável, fazendo-o ficar sem jeito.

- É... Tchau.

João ficou assistindo-a sair. Seus quadris largos balançando de leve, as trancinhas batendo nas costas, a sapato saindo do pé... Queria sair correr atrás da ruivinha e dizer o quanto ela era maravilhosa. Talvez até lhe confessasse amor eterno e a pedisse em casamento! Se corresse ainda a alcançaria a tempo de serem felizes para sempre, bastava uma atitude, um impulso.

Mas João era assim, vivia na dele fantasiando o que via nas novelas. Viver mesmo ficava na vontade ou na lista de obrigações domésticas que sua mãe diariamente pregava na porta da cozinha. As vezes João achava que precisava fazer algumas mudanças, mas é tão complicado...

Ônibus em horário de pico não tem lugar vago; saiu a ruivinha sentou alguém. E nesse sobe e desce, empurra e aperta, o tempo vai passando e cada um vai pra um lado, até que o ônibus volta pro pátio, sem sequer saber de todos os amores frustrados de estação.

[Esse texto foi escrito em meados de setembro de 2012 e também foi publicado num antigo blog]


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