22 fevereiro 2016

Um brinde à mediocridade

Um desses dias lá no estágio estávamos falando do futuro. Boatos de que estamos sempre falando do futuro... Beiramos a reta final dos nossos cursos e, obviamente, vez ou outra surtamos com a iminente necessidade de ser alguém.

Tem que prestar concurso bom, ser funcionário público e ganhar muito dinheiro; se for advogar tem que morrer de trabalhar, tem gente demais no mercado, não faz isso não! não dá dinheiro, a não ser que você tenha um padrinho ou muitos contatos; virar professor? tá doido?! só se for pra dar aula em Universidade Federal, mas vai viver de quê até lá?; COMO ASSIM VOCÊ NÃO QUER TRABALHAR NA ÁREA? Pra que fez a faculdade até o fim? O que você vai fazer então?

Aparentemente não basta ser alguém, tem que ser ALGUÉM em caps lock e negrito. Por isso, em resposta às questões existenciais tão particulares que insistem em fazer, peço que ergam suas taças: senhoras e senhores, vamos brindar à mediocridade!

Nesse dia já mencionado essa pessoa que vos escreve revelou a uma sala repleta de aspirantes à grandiosidade que não quer ser nada de mais. Calma lá, amigo! Espera aí! Eu vou explicar! Por "nada de mais" entenda que eu não quero ser ninguém além de uma pessoa que vive a própria vida. Eu não quero ser a rockstar! Eu quero ser o cara que conecta os cabos dos instrumentos.

Não é realmente necessário descrever as reações dos meus colegas, né?! Pra dizer o mínimo, passei o resto do expediente chateada. Mas, como tudo que não mata vira história pro blog refleti por dias sobre esse desejo insaciável de ser uma pessoa fora do comum.

Calhou que no meio do caminho eu esbarrei em um dos filmes que eu mais gosto: Tudo Acontece em Elizabethtown. No filme o Orlando Bloom é Drew, um carinha que tinha tudo pra ser bem sucedido porque passou boa parte da vida dedicado a um projeto que, no fim das contas, foi um fiasco. Meu sensor começou a apitar loucamente: será que nossas falhas importariam tanto se não tivéssemos essa necessidade tão grande de destaque? Será que boa parte das nossas frustrações não vem por não conseguirmos ser a estrelinha da árvore de natal?
 

Eu não quero dizer que devemos nos contentar em ser só mais um peixe no oceano. Mas, sabe, tudo bem ser.

Sim, sou um ser humano especial, único, ninguém é igual a mim! Sou um ser particular em toda a minha existência. E o mesmo vale pra cada uma das outras 6 bilhões 999 milhões de pessoas no mundo. Ser extraordinário não quer dizer ser melhor e ser comum não significa ser ruim ou pior.

Nosso cotidiano deu conotações pejorativas a palavras maravilhosas que representam a grande maioria de nós, tais quais ordinário, medíocre, comum, regular. Qual o problema de ser só uma pessoa? A vida não é o clímax de um romance policial ou o solo de Freebird, ela é essencialmente uma série de histórias sem graça, onde copos quebram, pessoas engasgam com pasta de dente e, se você tiver sorte, ao sair do banho percebe que não levou a toalha. E não é por isso que ela deixa de ter charme.

Claro que o poder de estar numa posição de destaque é um atrativo por si só, junto com o pacote que inclui não ser só mais um na multidão, influenciar pessoas, ser a voz da razão e ter muitos seguidores no twitter. Porém, usando de novo a árvore de natal, ela não é feita só da estrelinha lá cima. Inclusive, só tem espaço pra uma estrelinha! O que não dá pra esquecer é que tem que ter a base, os galhos, as bolas, os laços, os enfeites...

Nós temos o péssimo costume de negligenciar e dar menos importância às coisas (e a nós mesmos) só por elas serem comuns ou estarem teoricamente numa posição hierárquica inferior, mas precisamos urgentemente parar de fazer isso, porque, se olharmos ao nosso redor, somos 99% base, galhos, arames, tinta, laços, bolinhas e enfeites velhos caindo aos pedaços. E tudo bem!

Mario de Andrade disse certa vez: “A arte é muito mais larga, humana e generosa do que a idolatria dos gênios incondicionais. Ela é principalmente comum.” A arte, amigos, até ela é comum! Picasso não fez mais arte do que minha antiga professora de fisica que pintava umas flores esquisitas na casa dela. A arte é comum! E isso é lindo. O ordinário, mesmo que não seja reconhecido tem a mesma parcela de importância que o extraordinário e ambos são, afinal, arte.

Quando eu digo que não quero ser a rockstar eu quero dizer que tudo bem não ser a atração principal. Isso não significa que estarei me esforçando menos, jogando fora todo meu conhecimento ou, até mesmo, deixando de fazer as coisas ou deixando de lutar para fazer a diferença, pelo contrário, estarei usando e aprimorando toda minha técnica de modo que o cabo da guitarra nunca fique mal colocado. Quando eu sou mais uma pessoa eu reconheço a importância das outras pessoas e estou livre apreciar além dos gênios incondicionais.

Eu não sei dizer o que nos faz ter tanto desejo de reconhecimento, se é intrínseco do ser humano ou consequência da socialização. Talvez seja um pouco dos dois. Vai ver é culpa dos nossos pais ou, melhor ainda, culpa da internet! A única coisa que sei é que pode parecer triste e limitador aceitar que somos iguais ao resto do mundo e pronto, mas quando extraímos a vaidade desse desejo de ser tão diferente e importante nos deparamos com um leque enorme de possibilidades de ser e fazer, muitas vezes até mais agradáveis e menos frustrantes, pois deixamos de nos forçar à grandeza e podemos caminhar até ela de forma bem mais natural.

Aos meus amigos do estágio, tomara que vocês sejam tudo isso que almejam! E não se acanhem em me pedir pra servir o cafézinho, farei de bom grado.

3 comentários:

  1. Ô, Ju, é talvez o melhor texto seu que já li! Já tinhamos falados sobre os medíocres, mas só agora entendi tão forte o que você quer dizer. Esses 99% que somos e que você mostrou aí é que fazem existir o 1%, mesmo. Fico muito muito muito feliz de saber que você apoia os 99% e sente orgulho de fazer parte deles! Eu também não tenho vontade de estrelato, e pode me contar na lista se você um dia quiser criar um grupo de amigos medíocres! Bão demais!

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  2. hehe acho interessante como somos praticamente forjados durante a infância a nos aproximarmos o maximo possivel da normalidade, so para sermos cobrados como adultos diferenciais se tornar alguem alem do comum .fuck logic!
    Poderiam muito bem ter explorado nossas diferenças desde o inicio não? explorar e melhorar o que cada um tem de diferente e tornar a diferença desde o inicio nosso ponto forte!
    mas não! gostam de nos fazer sentir mal por nao sermos 100% normais e depois quando nos aproximamos dessa porcentagem.Depois cobram de nós o nosso diferencial! vem ca nao da pra simplesmente me deixar quieto não? so ser o que me der na telha e me fazer bem! e se voce precisa de ser o melhor do mundo pra se sentir bem, vou te ajudar e apoiar! afinal precisamos do tronco,galhos e folhas se sacrificarem para termos a bela arvore de natal! <3
    um brinde à mediocridade! XD

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